
O Transtorno de Personalidade Esquizoide (TPE) é uma condição complexa que afeta a maneira como uma pessoa se relaciona com o mundo ao seu redor. Imagine alguém que constantemente prefere estar sozinho, tem dificuldade em expressar emoções e raramente busca ou desfruta de relacionamentos próximos. Essas são algumas das características principais do TPE [1].
As pessoas com TPE geralmente se sentem mais confortáveis na solidão e enfrentam dificuldades ao tentar criar laços emocionais com os outros. Não é que elas não queiram se conectar, mas sim que essa conexão parece extremamente difícil ou até mesmo desconfortável [1].
Theodore Millon, psicólogo, observou que indivíduos com TPE frequentemente escolhem atividades e profissões que não exigem muita interação social [2]. Podem demonstrar pouco interesse em relacionamentos íntimos, sejam familiares, românticos ou de amizade. É importante entender que essa preferência pela solidão não é necessariamente uma escolha consciente, mas uma característica do transtorno.
Uma das características mais marcantes do TPE é a dificuldade em expressar emoções. Muitas vezes, essas pessoas podem parecer frias ou distantes emocionalmente, tendo dificuldade em demonstrar o que sentem [3]. Elogios ou críticas parecem não afetá-las muito. Além disso, frequentemente experimentam anedonia, que é uma dificuldade generalizada em sentir prazer, o que pode impactar várias áreas de suas vidas. Este conceito foi inicialmente explorado por Ernst Kretschmer em seus estudos sobre personalidade e constituição física [4].
A preferência por atividades solitárias é outra característica proeminente. Pessoas com TPE têm uma inclinação por atividades que podem ser realizadas sozinhas, o que muitas vezes resulta na ausência de amigos próximos, além da família imediata. Essa tendência ao isolamento pode vir acompanhada de uma aparente indiferença às normas sociais, o que pode ser interpretado como uma falta de compreensão ou interesse pelas convenções sociais comuns. Harry Guntrip, em seus estudos sobre fenômenos esquizoides, aprofundou a compreensão dessa dinâmica interna e suas manifestações externas [5].
O TPE geralmente se manifesta no início da idade adulta, embora alguns sinais possam ser observados na adolescência [1]. É importante notar que nem todas as pessoas introvertidas ou que gostam de solidão têm TPE. O diagnóstico só é feito quando esses traços causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social e profissional [3].
Embora o TPE faça parte do espectro da esquizofrenia, é crucial esclarecer que nem todas as pessoas com TPE desenvolverão esquizofrenia. Estudos mostram uma agregação familiar entre TPE e esquizofrenia, sugerindo uma possível base genética compartilhada. A herdabilidade do TPE foi estimada em cerca de 22%, indicando uma influência tanto de fatores genéticos quanto ambientais. Pessoas com TPE têm um risco aumentado de desenvolver transtornos relacionados à esquizofrenia, mas isso não significa que isso necessariamente acontecerá. A progressão depende de uma complexa interação entre genes e ambiente [6].
Para tornar a vida mais tranquila para pessoas com TPE, existem várias estratégias que podem ser adotadas. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) e Comportamental pode ser útil, ajudando a pessoa a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento que contribuem para o isolamento social [7]. Ela pode auxiliar no desenvolvimento de habilidades sociais e na gestão da ansiedade que muitas vezes acompanha as interações sociais.
Para algumas pessoas com TPE, a medicação pode ser uma opção para tratar sintomas específicos, como ansiedade ou depressão, que frequentemente coexistem com o transtorno. No entanto, é importante notar que não existe um medicamento específico para tratar o TPE em si [8].
Além do tratamento profissional, existem estratégias de autocuidado que podem ajudar a melhorar a qualidade de vida para pessoas com TPE. Estabelecer uma rotina diária estruturada pode proporcionar um senso de estabilidade e previsibilidade. Engajar-se em hobbies ou atividades que proporcionem satisfação pessoal, mesmo que solitárias, pode ser uma fonte importante de bem-estar.
Praticar mindfulness ou meditação pode ajudar a gerenciar o estresse e a ansiedade, além de promover uma maior consciência emocional [9]. Exercícios físicos regulares também podem ter um impacto positivo no humor e no bem-estar geral.
Para aqueles que desejam melhorar suas habilidades sociais, a exposição gradual a situações sociais pode ser benéfica. Isso pode começar com interações breves e de baixo estresse, progredindo lentamente para situações mais desafiadoras à medida que o conforto aumenta [10].
Além disso, é fundamental ressaltar que a vida pode ser plena tanto na escola, no trabalho, no desenvolvimento de afetos e na vida familiar. Pessoas com TPE podem encontrar satisfação e realização em diferentes áreas da vida, de acordo com suas preferências e necessidades individuais. O importante é que cada indivíduo encontre seu próprio caminho para uma vida significativa e gratificante, seja através de realizações acadêmicas, profissionais, criativas ou pessoais.
É importante lembrar que cada pessoa com TPE é única, e o que funciona para uma pessoa pode não funcionar para outra. A chave é encontrar um equilíbrio entre respeitar a necessidade de solidão e trabalhar gradualmente para desenvolver conexões sociais significativas, sempre respeitando os limites e o ritmo individual de cada pessoa.
Referências:
[1] American Psychiatric Association. (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
[2] Millon, T. (1969). Modern psychopathology: A biosocial approach to maladaptive learning and functioning. Philadelphia: Saunders.
[3] Akhtar, S. (1987). Schizoid personality disorder: a synthesis of developmental, dynamic, and descriptive features. American Journal of Psychotherapy, 41(4), 499-518.
[4] Kretschmer, E. (1925). Physique and character. London: Kegan Paul, Trench, Trubner & Co.
[5] Guntrip, H. (1968). Schizoid phenomena, object relations and the self. New York: International Universities Press.
[6] Kendler, K. S., McGuire, M., Gruenberg, A. M., O’Hare, A., Spellman, M., & Walsh, D. (1993). The Roscommon Family Study. III. Schizophrenia-related personality disorders in relatives. Archives of General Psychiatry, 50(10), 781-788.
[7] Beck, A. T., Freeman, A., & Davis, D. D. (2005). Terapia cognitiva dos transtornos da personalidade (2ª ed.). Porto Alegre: Artmed.
[8] Triebwasser, J., Chemerinski, E., Roussos, P., & Siever, L. J. (2012). Schizoid personality disorder. Journal of Personality Disorders, 26(6), 919-926.
[9] Kabat-Zinn, J. (2017). Viver a catástrofe total: Como utilizar a sabedoria do corpo e da mente para enfrentar o estresse, a dor e a doença. São Paulo: Palas Athena.
[10] Bellack, A. S., Mueser, K. T., Gingerich, S., & Agresta, J. (2004). Social skills training for schizophrenia: A step-by-step guide. New York: Guilford Press.